Reflexões




Pelo menos oito dos 35 livros de Zygmunt Bauman lançados no Brasil trazem a palavra “líquido” impressa na capa. Para o sociólogo polonês — que completará 90 anos em 19 de novembro —, tudo ao nosso redor é líquido, volátil e transitório. “Os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda muito rapidamente. Na sociedade contemporânea, nada é feito para durar”, diz o professor emérito das universidades de Leeds, na Inglaterra, e Varsóvia, na Polônia. Exatamente por essa razão, a visão de mundo de Bauman é frequentemente tachada de muito pessimista. Segundo alguns de seus maiores críticos, ele estaria para a sociologia como José Saramago está para a literatura ou Arthur Schopenhauer para a filosofia. Ele rebate a tese de que espera sempre pelo pior. “Estou convencido de que um mundo diferente e, por isso mesmo, melhor do que o que temos hoje é possível. Um mundo mais ético, justo e solidário”, afirma.
Prolixo em sua produção literária, Bauman é reservado na vida pessoal. Dele sabemos apenas que é viúvo (sua companheira, Janina, morreu em 2009), tem três filhas (Anna, Lydia e Irena) e, desde 1971, mora na Inglaterra. No mais, continua a dar aulas, fazer palestras e lançar livros. O mais recente deles é A riqueza de poucos beneficia todos nós? (Zahar, 2015). Em setembro, Bauman esteve no Brasil, onde participou do evento Educação 360.
Em entrevista exclusiva a GALILEU, o pensador falou sobre crise migratória, modernidade líquida e sociologia humanística. “Nossa vida é muito corrida. Vivemos sob a tirania do momento presente. Temos sempre pouco tempo para refletir sobre para onde estamos indo, avaliar o que estamos deixando para trás e ponderar sobre o que temos a ganhar e a perder com nossas decisões.” Acompanhe os principais momentos desse bate-papo.

P: Como o senhor analisa a crise migratória que atinge o mundo contemporâneo? Vê alguma solução, a curto e médio prazo, para o problema dos refugiados?
Solução para o problema dos refugiados? Honestamente, não. Mas não sou profeta, sabe? [risos] O que vejo, a longo prazo, são grandes benefícios. Por ora, contudo, o que temos é muita confusão. Infelizmente, não acho que encontraremos uma solução rápida para o problema dos refugiados. 

P: Por quê?
Esse fenômeno não é totalmente novo. Diferentemente do que ocorreu no passado, quando os europeus migraram para diversos outros países, pessoas de outros países estão agora migrando para a Europa. E isso é um choque! Essa migração em massa provoca uma disparidade sem precedentes. Antigamente, havia um processo de assimilação cultural. O imigrante chegava a um país e, aos poucos, tornava-se parte dele. Hoje em dia, isso não acontece mais. Os governantes partem do princípio de que são de culturas superiores e os imigrantes, ao contrário, pertencem a culturas inferiores. Daí a disparidade, entende? A assimilação, tal como ocorria antes, não existe mais.

P: A que o senhor atribui isso? E, mais importante, como mudar essa realidade?
Pouca gente se deu conta, mas vivemos em um mundo globalizado. Ninguém é superior ou inferior a ninguém. Dependemos uns dos outros para sobreviver. Outra coisa: uma cultura nunca é superior a outra. Vivemos em um mundo multicultural. Há espaço para todos. Os imigrantes que chegam a um novo país querem trabalhar, pagar impostos, cumprir as leis, ou seja, ser reconhecidos como cidadãos. Porém, não querem abrir mão de sua origem, sua cultura, sua identidade. Numa mesma rua de Londres você encontra, por exemplo, uma igreja católica, uma sinagoga judaica e uma mesquita islâmica, uma ao lado da outra. E a diferença religiosa não é a única que existe por lá. Temos algumas outras: sociais, culturais, linguísticas, de gênero.

P: Por que, ainda hoje, é tão difícil conviver com essas diferenças culturais?
Antigamente, nossos antepassados acreditavam que a cultura dominante assimilaria a dominada, e por isso eventuais diferenças tenderiam a desaparecer. Hoje o desafio é outro: não fazer desaparecerem as diferenças, mas, ao contrário, aprender a conviver com elas. Por que não podemos simplesmente viver em comunidade, cada um dando o melhor de si em prol do bem comum? Entendo que o outro é um mistério, e mistérios costumam nos deixar apavorados. O outro fala uma língua diferente, age de modo diferente, reza para outro deus e assim por diante. Enfim, é um estranho. E estranhos tendem a nos deixar inquietos. Não sabemos muito bem como lidar com eles, como interagir com eles. Mas temos de aprender.

P: Hoje tudo é líquido, passageiro e descartável: o medo, o amor, a felicidade. O que é sólido, duradouro e permanente em nossa sociedade?
Bem, a metáfora da liquidez é, na verdade, muito simples. O que ela sugere é que, como todo líquido, nossa configuração social não consegue manter a forma por muito tempo. Está sempre em transformação. Mas, veja bem, isso não significa necessariamente que não existam corpos sólidos. A única razão de eu chamar nossa modernidade de líquida é para distingui-la da modernidade sólida, aquela do tempo dos nossos ancestrais. Nossos bisavós construíram estruturas sólidas porque descobriram que o mundo que herdaram de nossos tataravós não era suficientemente sólido. Hoje em dia vivemos o que convencionei chamar de modernidade líquida. Modernizamos hoje o que criamos ontem. E modernizamos não porque o modelo anterior tenha ficado velho ou obsoleto, mas porque o novo modelo é supostamente mais moderno. Isso virou um vício, uma obsessão.

P: O senhor pode dar outros exemplos?
Claro. Vou dar outro, um pouco mais drástico. Os jovens casais de hoje, por exemplo. Eles fazem de tudo para que o relacionamento seja breve, superficial e fugaz. Nada mais é para sempre. Se não gosto de você, simplesmente me desconecto. Se você não gosta de mim, a mesma coisa. Sem culpa, arrependimento ou explicação. Basta apertar um botão e pronto. Acabou! As pessoas têm medo de criar raízes, de se afeiçoar umas às outras. Sabem que novas oportunidades surgem a cada momento, e por esse motivo querem estar livres e desimpedidas para substituir o velho pelo novo. É como se o amor fosse um bem de consumo. Mas isso não significa, volto a dizer, que não existam corpos sólidos. Ou, se preferir, relacionamentos longos, estáveis e duradouros. Tudo é possível. Felizmente.

P: No Brasil, seus livros já venderam algo em torno de 350 mil exemplares, um número bem expressivo para um sociólogo. Como o senhor vê isso? A que atribui tamanha popularidade?
Não esperava por isso. Mas, até onde sei, esse fenômeno não acontece somente no Brasil. Também sou bastante popular em outros países, como Portugal, Espanha e Itália. Dia desses, aliás, estava conversando com dois amigos, também sociólogos, sobre a sociologia. A missão dela é mudar a sociedade humana e ampliar o horizonte dos cidadãos. Infelizmente, a sociologia nem sempre cumpriu seu papel. Quando foi criada, há uns 200 anos, era uma ferramenta usada para gerenciar o comportamento das pessoas. Como obrigar as crianças a ir à escola todos os dias e não apenas uma vez por semana? Como evitar que os soldados desertem do exército e fujam dos quartéis? Ou, então, que os operários entrem em greve e parem de trabalhar? O objetivo era deixar os indivíduos sem liber­dade de escolha e, pior, torná-los responsáveis por todos os seus atos e movimentos. Ao longo dos anos, procurei, não sei se com sucesso, falar sobre sociologia, traduzir o mundo em textos, não para outros sociólogos, mas para as pessoas comuns. Meu objetivo é mostrar a elas que o mundo pode ser um lugar diferente e melhor do que ele é hoje. Acredito muito que, na medida do possível, cumpri minha missão.

P: Em um mundo que é tão volátil como o nosso, como o senhor gostaria de ser lembrado no futuro?
Isso é algum tipo de teste psiquiátrico? [risos] Bem, vamos lá: os filósofos antigos costumavam dizer que a receita para uma boa vida é vivê-la de tal forma que você consiga deixar suas pegadas no mundo. Acreditavam que só assim seremos lembrados. Confesso que não tenho a menor ambição de ficar imortalizado na memória das pessoas. Isso nunca me passou pela cabeça. Por outro lado, estou convencido de que podemos deixar nossas pegadas no mundo escrevendo sobre os prós e contras da sociedade em que vivemos. E, principalmente, dando aos homens a esperança de que, um dia, nossa sociedade possa se tornar um lugar melhor. Ou, pelo menos, um lugar um pouco mais “bom” e um pouco menos “mau”.


Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/11/solido-como-uma-pedra-aos-90-anos-zygmunt-bauman-fala-sobre-migracao-e-relacionamentos.html

05 novembro de 2015 

ONU prevê que fluxo de refugiados na Europa chegará a 1 milhão em 2015









18 de setembro de 2015 



Reflexão escrita por Flavio Azm Rassekh:







      "Conversei ontem com meu cunhado que mora em Budapest na Hungria há mais de 23 anos, ele e a minha sobrinha mais nova (adolescente de 14 anos) foram essa semana ajudar algumas famílias de refugiados para tentar dar sua pequena contribuição em meio a essa crise humanitária sem precedentes. 

       O papo de ontem e as últimas notícias de hoje, fechamento da fronteira Húngara e o consequente novo deslocamento dos refugiados para a Croácia, me fizeram refletir novamente sobre alguns pontos que gostaria de compartilhar aqui (me perdoem o post longo):




       1. Em relação ao primeiro ponto, para mim está claro que depois dos genocídios de Rwanda e da Bósnia (citando os últimos apenas) a ONU e a comunidade internacional ainda não perceberam que a responsabilidade de proteger populações civis massacradas em meio a um conflito armado não só são urgentes pelo aspecto humanitário mas são emergenciais por conta do equilíbrio de toda a região onde estão localizadas. Deslocamentos humanos nessas proporções podem paralisar cidades e países inteiros.
        Me parece muito estranho não discutirmos abertamente a necessidade da ONU intervir na raiz do problema ao invés de assumir que milhões de pessoas terão que inevitavelmente abandonar seus países para caminhar a pé por semanas rumo a Europa. De forma alguma estou desprezando nesse breve comentário os interesses de países que tem lucrado com o conflito ou aqueles que tem interesses na perpetuação da guerra.


         2. O conceito de "Ilha da Fantasia" sobre o qual a União Européia foi construída finalmente caiu por terra. Não existe uma zona fechada de bem estar, desenvolvimento humano e prosperidade enquanto vizinhos vivem em meio a pobreza abjeta, genocídio e fanatismo religioso. Da mesma forma que a agua dos rios e o ar que respiramos não respeitam fronteiras eventualmente a tragédia que acontece do outro lado do muro vai chegar até quem vive desse lado. O conceito de "nós e eles" não se sustenta mais no continente europeu, aos poucos as pessoas estão se dando conta disso. A necessidade de falar do conceito da unidade na diversidade e da interdependência entre todos os povos e nações do mundo se coloca novamente com urgência.
            Pra piorar as coisas centenas de milhares de Africanos estão do outro lado do mar a espera da próxima oportunidade de fazer o que os Sírios, iraquianos e afegãos fazem hj. É só uma questão de tempo.


       3. Aqui no Brasil por conta da violência (56 mil mortes por ano, um recorde mundial) desenvolvemos uma solução tupiniquim muito parecida. Nos últimos 30 anos passamos a construir pequenas comunidades muradas onde vivemos cercados por paredes altas e arame farpado (+ segurança privada) imaginando que estaremos salvos das hordas de "selvagens" armados que estão prontos para nos atacar. Se houver a possibilidade de blindar o nosso automóvel faremos isso para ampliar ainda mais a nossa sensação de segurança (entendo perfeitamente a motivação de quem faz isso e tenta proteger a si mesmo e a família). Vivo em um espaço desses.
              Assumindo o que acontece na Europa hoje, será que não teremos um desfecho parecido em algum momento do futuro aqui? Qual seria a solução mais coerente, do ponto de vista individual, para transformar a nossa realidade? O que podemos aprender com isso? Quais são os novos modelos de governança que poderiam ser testados aqui? Como o nosso modelo educacional contribui para essa situação?
        Não é novidade que o tecido social no Brasil se esgarçou novamente, que as nossas instituições e seus representantes, sejam da esquerda ou direita, salvo por nobres excessões, perderam ainda mais a credibilidade perante a população. O que mais estamos esperando que aconteça?
              Por último, temos clareza que enfiar a cabeça em um buraco como um avestruz (ou em um shopping center) não vai fazer o problema desaparecer por um toque de mágica.
Também não vale se mudar pra Miami. A Florida também tem vizinhos apesar de estar cercada de agua. Se o problema é realmente sistêmico (como acredito) não há pra onde fugir, precisamos encarar a situação e nos dedicarmos a transformação do nosso caráter e das nossas comunidades."


Fonte: https://www.facebook.com/flavio.rassekh/posts/10156051384780716

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