segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Reflexão sobre a Crise Humanitária

Reflexão escrita por Flavio Azm Rassekh:



"Conversei ontem com meu cunhado que mora em Budapest na Hungria há mais de 23 anos, ele e a minha sobrinha mais nova (adolescente de 14 anos) foram essa semana ajudar algumas famílias de refugiados para tentar dar sua pequena contribuição em meio a essa crise humanitária sem precedentes. 

O papo de ontem e as últimas notícias de hoje, fechamento da fronteira Húngara e o consequente novo deslocamento dos refugiados para a Croácia, me fizeram refletir novamente sobre alguns pontos que gostaria de compartilhar aqui (me perdoem o post longo):

1. O sentido da ONU no Sec XXI ("Responsabilidade de Proteger" http://www.un.org/…/pre…/rwanda/about/bgresponsibility.shtml)

2. A motivação da criação da União Européia e o futuro do continente.

3. A forma como lidamos com questões de desigualdade e segurança no nosso dia a dia aqui no Brasil.

1. Em relação ao primeiro ponto, para mim está claro que depois dos genocídios de Rwanda e da Bósnia (citando os últimos apenas) a ONU e a comunidade internacional ainda não perceberam que a responsabilidade de proteger populações civis massacradas em meio a um conflito armado não só são urgentes pelo aspecto humanitário mas são emergenciais por conta do equilíbrio de toda a região onde estão localizadas. Deslocamentos humanos nessas proporções podem paralisar cidades e países inteiros. 

Me parece muito estranho não discutirmos abertamente a necessidade da ONU intervir na raiz do problema ao invés de assumir que milhões de pessoas terão que inevitavelmente abandonar seus países para caminhar a pé por semanas rumo a Europa. De forma alguma estou desprezando nesse breve comentário os interesses de países que tem lucrado com o conflito ou aqueles que tem interesses na perpetuação da guerra.

2. O conceito de "Ilha da Fantasia" sobre o qual a União Européia foi construída finalmente caiu por terra. Não existe uma zona fechada de bem estar, desenvolvimento humano e prosperidade enquanto vizinhos vivem em meio a pobreza abjeta, genocídio e fanatismo religioso. Da mesma forma que a agua dos rios e o ar que respiramos não respeitam fronteiras eventualmente a tragédia que acontece do outro lado do muro vai chegar até quem vive desse lado. O conceito de "nós e eles" não se sustenta mais no continente europeu, aos poucos as pessoas estão se dando conta disso. A necessidade de falar do conceito da unidade na diversidade e da interdependência entre todos os povos e nações do mundo se coloca novamente com urgência.

Pra piorar as coisas centenas de milhares de Africanos estão do outro lado do mar a espera da próxima oportunidade de fazer o que os Sírios, iraquianos e afegãos fazem hj. É só uma questão de tempo.

3. Aqui no Brasil por conta da violência (56 mil mortes por ano, um recorde mundial) desenvolvemos uma solução tupiniquim muito parecida. Nos últimos 30 anos passamos a construir pequenas comunidades muradas onde vivemos cercados por paredes altas e arame farpado (+ segurança privada) imaginando que estaremos salvos das hordas de "selvagens" armados que estão prontos para nos atacar. Se houver a possibilidade de blindar o nosso automóvel faremos isso para ampliar ainda mais a nossa sensação de segurança (entendo perfeitamente a motivação de quem faz isso e tenta proteger a si mesmo e a família). Vivo em um espaço desses.

Assumindo o que acontece na Europa hoje, será que não teremos um desfecho parecido em algum momento do futuro aqui? Qual seria a solução mais coerente, do ponto de vista individual, para transformar a nossa realidade? O que podemos aprender com isso? Quais são os novos modelos de governança que poderiam ser testados aqui? Como o nosso modelo educacional contribui para essa situação?

Não é novidade que o tecido social no Brasil se esgarçou novamente, que as nossas instituições e seus representantes, sejam da esquerda ou direita, salvo por nobres excessões, perderam ainda mais a credibilidade perante a população. O que mais estamos esperando que aconteça?

Por último, temos clareza que enfiar a cabeça em um buraco como um avestruz (ou em um shopping center) não vai fazer o problema desaparecer por um toque de mágica. 

Também não vale se mudar pra Miami. A Florida também tem vizinhos apesar de estar cercada de agua. Se o problema é realmente sistêmico (como acredito) não há pra onde fugir, precisamos encarar a situação e nos dedicarmos a transformação do nosso caráter e das nossas comunidades."




Fonte: https://www.facebook.com/flavio.rassekh/posts/10156051384780716